Completando 60 anos no poder, a rainha Elizabeth II passou por
guerras e crises, precisou reinventar a monarquia e teve que lidar com
ansiedades da opinião pública - como em um dos seus piores anos, 1997,
com a morte da princesa Diana. Hoje, vista como trabalhadora e comedida
pelos seus súditos, a chefe de Estado do Reino Unido é considerada a
responsável por tentar criar a ideia da "monarquia que trabalha", avalia
a doutora Sarah Richardson, historiadora em política e constituição
britânicas da Universidade de Warwick, em Coventry, na região central da
Inglaterra.
Aos 86 anos e atuante em suas funções de chefe das
forças armadas e governadora suprema da Igreja Anglicana, entre outras,
Elizabeth II é a segunda monarca de maior reinado em 1 mil anos de
história britânica - por isso, a importância de seu jubileu de diamante,
comemorado em Londres entre os dias 2 e 5 de junho. À frente dela,
apenas a rainha Victoria, que ficou 64 anos no poder.
Sua longevidade o torna importante. Monarcas que ficam por
muito tempo tendem a estabelecer um tipo de afeição entre a população,
construir um sentido de lealdade na monarquia - vimos isso com a rainha
Victoria. Mas Elizabeth II também é importante por ter ascendido ao
trono logo após a Segunda Guerra Mundial, um período de grande mudança e
transição e com mais democracia, tolerância e liberalismo. Desta forma,
a monarquia teve que ser reinventada para uma era moderna. Ela parece
ter feito isso com bastante sucesso. Acredito que, em seu tempo, ela foi
importante. Aqueles que reinam por mais tempo frequentemente conseguem
estabelecer o papel da monarquia, reconstruí-lo ou reinventá-lo, e
construir uma relação com o público.
Houve algumas mudanças na democracia e pequenas reformas no sistema
eleitoral, na forma como o Parlamento funciona e na constituição.
Diminuíram os privilégios para pessoas por causa de seu nascimento, e a
monarquia, de certa forma, é exemplo disso - ela é a rainha porque
nasceu na família real, e não porque conquistou isso de outra forma. O
que Elizabeth II fez com sucesso foi caridade, filantropia, levando a
monarquia para dentro e para fora do país. Ela tentou criar essa ideia
de uma monarquia que trabalha.
Existe algo chamado prerrogativa real na relação entre a monarca e o
Parlamento. A Coroa tem poderes para apontar o primeiro-ministro, outros
ministros e demiti-los. Em teoria, ela pode demitir David Cameron (o
atual primeiro-ministro), mas, na realidade, se ela fizer isso... A
prerrogativa está lá, mas não é exercida. Em termos de seu papel
externo, Elizabeth II também é a chefe de Estado de países que fazem
parte do Commonwealth (15 países como Austrália, Canadá e Jamaica), o
que permite uma espécie de aliança "extra europeia". É uma relação
especial que vem mais via monarquia do que Parlamento ou
primeiro-ministro. Em alguns desses países, ela tem o poder de reverter
sentenças, pessoas podem apelar a ela, por exemplo. Na realidade, esses
poderes não são tão importantes, mas sim o fato de haver uma espécie de
relação quase familiar com esses países e, para a Grã-Bretanha,
representa outro tipo de identidade, fora da Europa.
Grã-Bretanha significa pouco para muitas pessoas, enquanto ser inglês,
escocês, galês ou irlandês realmente significa algo. Mas não significa
que a Escócia não queira fazer parte da Grã-Bretanha e da monarquia.
Acho que os nacionalistas escoceses têm sido cuidadosos em separar isso.
Eles estão procurando independência política, mas não territorial ou da
monarquia. A rainha é muito popular na Escócia, tem sua casa de verão
em Balmoral e antigas conexões com o local.
- Para mim, o início foi sua maior conquista. Ela chegou ao trono muito
jovem (25 anos), mas até seu pai se tornar rei, ela não era criada para
ser rainha (George VI assumiu após a abdicação de seu irmão, Eduardo
VIII). Elizabeth II enfrentou desafios enormes de uma era de
austeridade, com envolvimento na Segunda Guerra Mundial e depois na
Guerra Fria. Com tantos desafios, estabilizar rapidamente a monarquia
como uma instituição que se conecta com o público foi uma grande
conquista. O ponto mais baixo, suponho, teria sido com a princesa Diana,
quando a instituição da monarquia foi vista como culpável. Ela mesma
chamou de seus piores anos, e este foi o ponto em que a opinião pública
começou a se voltar não particularmente contra ela, mas contra o
establishment e a instituição. Houve muitas discussões sobre o que
aconteceria no futuro, nervosismo se ela poderia abdicar, o que poder
significava, se o público britânico queria o príncipe Charles no trono.
Mas eles conseguiram sair disso.
Há
uma visão separada de Elizabeth II e da monarquia. O povo britânico tem
um carinho muito grande por ela. É vista como trabalhadora, comedida, e
conseguiu separar esse papel: de não intervir na política, mas ser
chefe de Estado. Sobre a instituição da monarquia existem mais opiniões
contrárias, o que demonstra como a personalidade, o comportamento do
monarca pode transcender ansiedades sobre possíveis interferências
ilegais, esses poderes que a prerrogativa real confere. É muito fácil
estragar esse tipo de equilíbrio delicado, e, na Grã-Bretanha, isso
causa uma enorme ansiedade. Caso se tem a personalidade errada, com
potencial de interferir, corrupção, condescendência, essas coisas ruins
da política podem acontecer.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário