Depois que suas filhas morreram, Khathazile pegou os 11 netos órfãos
para criar, sem hesitação. É o que uma gogo, ou avó, faz num país onde a
mais alto índice de infecção pelo HIV no mundo deixou um mar de
crianças sem mães.
- Deus nos ajude - disse ela.
Talvez, mas Khathazile tem um seguro para o caso de a intervenção divina
falhar: Swazi Gold (Ouro Suazi), uma muito potente e valiosa variedade
de maconha bastante procurada no próspero mercado da vizinha África do
Sul. Numa área no interior da floresta, no topo de uma montanha distante
nesse árido canto da minúscula Suazilândia, Khathazile cultiva Swazi
Gold para alimentar, vestir e mandar os netos para a escola.
- Sem a erva nós estaríamos famintos - diz Khathazile, que pediu que apenas o seu nome do meio fosse utilizado.
Ela é uma das milhares de trabalhadores que, a duras penas, conseguem
levar a - magra - vida das áreas rurais deste reino do sul da África
plantando maconha, segundo membros de serviços humanitários. Abraçam o
cultivo como uma turbinada - mais do que necessária - da renda.
Khathazile não se considera parte de uma vasta cadeia global de cultivo
de drogas que inclua fazendeiros de papoula no Afeganistão e plantadores
de coca na América Latina. Ela apenas tem netos de que cuidar e diz que
começou a plantar quando as tentativas com outras culturas falharam.
- Se você plantar milho ou repolho,os babuínos roubam -, diz.
Preenchendo os vazio da Aids
Última monarquia absoluta da África, a Suazilândia é oficialmente um
país de renda média. Mas a pobreza profunda continua a ser uma regra
aqui nas áreas rurais ao redor de Piggs Peak, uma empoeirada cidade no
Noroeste montanhoso do país. Pouca coisa cresce neste solo rochoso, e
empregos são difíceis de encontrar. Muitos jovens fogem para as duas
cidades grandes do país, Mbabane e Manzini, ou para a África do Sul, em
busca de trabalho.
Ficam para trás diversas mulheres idosas e crianças. Uma campanha
agressiva de terapia antirretroviral ajudou a controlar o índice de
mortalidade por Aids, mas a doença causou vazios em praticamente todas
as famílias de uma forma ou de outra, deixando filhos mais velhos com a
responsabilidade de cuidar dos mais novos e frágeis avós lutando para,
mais uma vez, criar crianças pequenas.
É a história da família de Khathazile. Em 2007, a filha Tensile morreu
com 24 anos, deixando quatro órfãos para ela cuidar. Dois anos depois,
outra filha, Spiwe, morreu, e deixou mais três bocas para serem
alimentadas. Eles também, vieram morar com a gogo. Aí, em julho, sua
filha Nomsa morreu - mais quatro crianças. Não havia nada a fazer a não
ser abrigá-las, também, em sua cabana de um cômodo.
- Eu não posso abandonar esses meninos - diz a idosa.
Tais famílias lutam para conseguir se sustentar.
- Há muitos órfãos e viúvas que têm dificuldade para sobreviver - diz
Tshepiso Mthimkhulu, um membro da Cruz Vermelha da Suazilândia.
Há, certamente, um mercado para a fonte de renda alternativa encontrada
pelas avós. De acordo com a ONU, a África do Sul registrou aumento do
consumo de maconha, e a Suazilândia parece ser um ávido fornecedor. O
país, uma nação minúscula de aproximadamente 1,4 milhão de pessoas,
tinha mais terras dedicadas ao cultivo de maconha em 2010 do que a
Índia, um país com mais de 180 vezes seu tamanho.
Colheitas de até 11 kg, ganhos de US$ 400
Sibongile Nkosi, de 70 anos, diz que começou a cultivar maconha antes
mesmo de sua filha morrer e a deixar com dois órfãos para alimentar. Ela
tinha ouvido de outras mulheres do vilarejo, que fica no topo de uma
montanha na periferia de Piggs Peak, que a planta poderia dar um
dinheiro decente.
- Eu coloco as sementes na terra, rego, e elas crescem -, diz ela sobre
sua primeira safra. - Eu consegui alimentar as minhas crianças.
O plantio de maconha pode prover uma rede de segurança, mas as avós de
Piggs Peak dificilmente podem ser comparadas a barões da droga. Elas têm
de encontrar um terreno secreto para plantar, normalmente floresta
adentro, onde chegam após horas de caminhada. Limpá-lo é um trabalho
árduo até mesmo para mulheres acostumadas com isso.
Elas têm que comprar as sementes, se estão se iniciando no plantio, e
esterco. Se o fertilizante não for colocado em quantidade suficiente, a
safra resultará menos lucrativa. A plantação tem de ser cuidadosamente
limpa para produzir o tipo certo de flores. E é preciso tomar cuidado
com as ervas daninhas.
- Ervas são muito ruins para a erva - diz Nkosi.
Há também a polícia, que normalmente sai em busca das plantações de
maconha em março e abril, pouco antes da colheita, e ateiam fogo. Uma
boa colheita pode render até 11 kg de maconha. Mas as avós vendem para
os intermediários, que vêm às aldeias durante o período de safra, e têm
pouco poder de barganha. Muitas ganham menos de US$ 400 por colheita.
- Os homens vêm da África do Sul para comprar, mas nos enganam -, diz
Nkosi. - O que podemos fazer? Se você fala com a polícia, ela vem e te
prende.
Agricultoras mais empreendedoras enterram na floresta parte da colheita,
em barris impermeáveis, guardando parte da produção até dezembro,
quando o fornecimento cai e os preços sobem. Mas a maioria precisa do
dinheiro para ontem, e não para daqui a seis meses.
Nkosi diz que nunca se sentiu tentada a experimentar o que produz
- Faz você ficar bêbado -, diz ela quando perguntada se já fumou a droga. - Se eu tentar, eu caio no chão!
A maconha deu à família dela o suficiente para sobreviver, mas ela se questiona se realmente valeu a pena.
- Eu não quero plantar mais -, diz Nkosi. - Ganha-se muito pouco.
Mas, com o começo do período de plantio deste ano, ela começou a se
preparar para uma nova safra. As taxas escolares para os dois netos que
ainda continuam na sua casa vão lhe custar cerca de US$ 400 no próximo
ano letivo, e ela não tem outra maneira de arrumar o dinheiro.
- Quando você está na pobreza deve fazer o que pode para sobreviver. Se eu ganhar um pouquinho, meu coração ficará feliz.
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