domingo, 8 de janeiro de 2012

BIBLIOGRAFIA FEITA POR JORNALISTA A RESPEITO DA VIDA DE JUAN CARLOS

De "jovem superficial, incapaz de ler um livro", Juan Carlos I de Bourbon chegou ao trono em 1975 e transformou-se no rei que conquistou prestígio internacional e devolveu a democracia à Espanha. Sua trajetória tem momentos dramáticos - como o vivido aos 18 anos, quando matou acidentalmente seu irmão caçula, Alfonso, com um tiro na testa. O menino era o filho predileto de D. Juan (o então rei exilado da Espanha), que ficou destroçado pela perda. Essa e outras histórias estão em mil páginas compiladas após uma investigação minuciosa, feita por dez anos, pela veterana jornalista Pilar Urbano. E a biografia "O preço do trono", que acaba de ser lançada na Espanha, apesar de tratar da vida de Juan Carlos somente até 1975, chega num momento turbulento para a família real: no auge de um escândalo de corrupção envolvendo o genro do monarca.

- Como Juan Carlos matou involuntariamente o irmão, isso virou uma espécie de dívida para com o pai. Tirou-lhe o trono e o filho favorito. É um drama que ele carrega. Sua mãe, dona Maria, caiu doente de depressão, e Juan Carlos transformou-se num navegante solitário - conta Pilar Urbano ao GLOBO. - A morte de Alfonsito foi um episódio negro.

Foi em Portugal, onde o rei Juan de Bourbon vivia exilado. O príncipe Juan Carlos - que vivia na Espanha desde os 10 anos - visitava a família nas férias e estava em seu quarto enquanto Alfonso, de 15 anos, entrava e saía simulando portar uma metralhadora. Aluno de uma academia militar, Juan Carlos mantinha seu revólver guardado na cabeceira. A brincadeira de mocinho e bandido interrompia os estudos dele. Alfonso provocara: "Você deve se render. É um homem morto." A resposta de Juan Carlos veio acompanhada da tragédia: "Você, sim, é um homem morto." E seguiu-se o disparo da arma, que o dono tirou da gaveta, pensando estar descarregada.

O ditador Francisco Franco se encarregou de enterrar o assunto. Sequer houve autópsia. O general também exigiu que o embaixador espanhol em Portugal emitisse um comunicado falso, alegando que Alfonsito morrera enquanto limpava uma arma. Um disparo acidental.

- Foi um homicídio involuntário, mas mesmo assim deram uma versão oficial falsa para não afetar o currículo de Juan Carlos - explica Pilar.

O jovem Juan Carlos teve de conviver não só com a morte do irmão - mas com a dúvida do pai sobre sua versão do crime. No velório, o rei, arrasado, ainda insistiu: "Jura que você não o matou de propósito?". Foi apenas uma das duras frases proferidas pelo pai que, anos mais tarde, fez questão de dizer a Juan Carlos: "Eu te enviei para você me representar e não para me desbancar." Para Juan Carlos, o pai (que renunciou ao trono em favor do filho e morreu em 1993) era "seu mais nobre e leal adversário".

Quem apostava todas as fichas em Juan Carlos era Franco. Sem sucessor, o ditador espanhol não queria ver um reinado de Juan de Bourbon - certo de que ele instauraria um regime democrático. A falta de proximidade e afeto entre pai e filho tornou-se atrativa para o general. Em 1969, Franco decidiu que o jovem Juan Carlos seria seu sucessor.

- Era como seu padrinho - diz Pilar. - Juan Carlos estava sendo formado como um estagiário de Franco, seu pupilo. Era mantido pelo franquismo com todos os gastos pagos.

Contato com os EUA via professor de caratê

O garoto era "imprudente, superficial, teimoso, incapaz de ser minimamente amável, interessado exclusivamente em divertir-se, incapaz de ler sequer os jornais" - na descrição nada elogiosa feita pelo conde de Fontanar numa carta a Juan de Bourbon após receber Juan Carlos em sua casa, em 1953. Mas um amigo português, citado na biografia, conta que o menino "sem conversa, sem conteúdo e que ria de tudo" estava mudando.

- Há um momento em que Juan diz a Franco, nascido na Galícia: "Meu general, do senhor aprendi seu galeguismo: escutar, olhar e calar" - revela a escritora. - Era uma relação de respeito, agradecimento, obediência militar e afeto. Juan Carlos não permitia que ninguém falasse mal de Franco.

Pilar observa que durante 27 anos Juan Carlos se submeteu ao franquismo mesmo sem ser partidário da ideia de um único partido fascista:

- Ele amadureceu entre inimigos. Dizia: "Tenho crocodilos prontos para pular na minha jugular." Aprendeu a não dizer aos franquistas o que faria. Era espiado e vigiado mas, encontrava-se clandestinamente com democratas, social-democratas, democratas-cristãos, bascos e catalães. Enviava mensagens a comunistas e socialistas de que reinaria na democracia.

Em outro grande drible de Juan Carlos, o príncipe conseguiu manter contatos com a Casa Branca - sua grande patrocinadora, segundo Pilar. Ele pediu que os Estados Unidos pusessem um emissário da CIA à sua disposição. Recebeu um coronel, professor de caratê que, fingindo ensinar artes marciais, servia para enviar e receber mensagens de Washington.

Em 1962, o rei encontrou, finalmente, algum afeto. O casamento transforia a rainha Sofía em seu porto seguro, apoiando-o. E defendendo-o.

- Estou convencida de que Juan Carlos se casou sem amor. Já perguntei diretamente ao rei, e ele nunca disse que amava Sofía. Ela sim, sempre amou Juan Carlos - arrisca Pilar.

Apesar da formação franquista, ele esteve na mira dos críticos nos três primeiros anos de reinado, antes da Constituição de 1978, quando alguns ainda o chamavam de "príncipe de Franco". Mas hoje, com 36 anos de trono, o monarca está, de certa forma, blindado. Segundo a biógrafa, com a democracia consolidada, há uma espécie de pacto de silêncio protegendo a família real. O que era respeito e gratidão por ter devolvido a democracia transformou-se em tabu abordar os assuntos privados da monarquia:

- Esse tabu foi quebrado em dois momentos: na Guerra do Golfo, em 1990, quando soube-se de romances do príncipe Felipe e do rei Juan Carlos. Houve ainda algumas críticas sobre o casamento de Felipe e Letizia e o divórcio da infanta Elena. Mas, a segunda vez ocorre agora, com o caso de corrupção envolvendo Iñaki Urdangarín, marido da infanta Cristina. É o escândalo mais duro de todos.

Pilar, no entanto, se arrisca e garante: Juan Carlos se manterá intacto.

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