sexta-feira, 1 de abril de 2011

A RIQUEZA DO REI DO MARROCOS

Paralelamente ao governo, o rei marroquino Mohamed VI criou, desde que subiu ao trono, diversas comissões, que acabaram por constituir uma administração paralela e que monopolizaram a maior parte do orçamento público do país. O governo formal está paralisado entre a corrupção e o medo de molestar o rei, e acaba fazendo pouco para alterar a situação. "Os únicos negócios que avançam são apenas aqueles que interessam pessoalmente ao rei", diz Hakim Marrakchi, vice-presidente da CGEM, a Fiesp local.



É o caso do programa de moradia social, por exemplo, ou do porto de Tânger que, em dois anos, virou um importante pólo no mar Mediterrâneo. Aos olhos da população mais humilde, isso confirma a ideia de que o rei é o único a trabalhar para o bem de Marrocos, confrontado com um governo e uma classe política percebidos como corruptos ou parasitas. "O rei é um dos nossos, o problema são aqueles que o rodeiam", diz Driss, um porteiro, confirmando a crença popular.

Como muitos marroquinos, Driss temia Hassan II, mas tem carinho por “M6”, como o monarca é popularmente chamado pela população. O soberano é percebido como não arrogante, próximo ao povo. Nem o fato de o rei ser a pessoa mais rica do país não parece causar indignação ou revolta.

Em 2009, décimo aniversário da ascensão ao trono de M6, a revista Forbes revelou que a monarquia marroquina era a sétima mais rica do mundo, muito mais que as das famílias reais do Reino Unido, Holanda, Mônaco, Catar ou Kuwait. Uma constatação chocante em um país onde mais de cinco dos 31 milhões de habitantes vivem com dez dirhams (cerca de R$ 2) por dia, e ainda está no 130º lugar no ranking do Relatório Mundial sobre o desenvolvimento humano do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas).

Ainda de acordo com a revista Forbes, a fortuna real, estimada em 500 milhões de dólares no início de 2000, multiplicou-se por cinco em dez anos. Se Mohamed VI não tem o interesse do pai pela política internacional – o Marrocos, que já foi um interlocutor importante na questão israelo-palestina, não joga hoje qualquer papel relevante - ele demonstrou inegável apetite pelos negócios.



Em 1999, quando assumiu o trono, ele herdou uma holding, a Singer (anagrama de regis, rei em latim) e suas subsidiárias, a ONA e a SNI, à época muito mal administradas e sempre no vermelho. Em dez anos, o grupo tornou-se uma impressionante máquina de guerra, com um pé fincado em todos os setores econômicos mais importantes, às vezes em associação com grupos estrangeiros: finanças e seguros (Attijariwafa, AGMA), telefonia (Inwi), energia (Nareva), imóveis (Onapar), materiais de construção (Lafarge, Sonasid), mineração (Managem), alimentos (Lesieur, Central de Leite, Cosumar, Bimo, Aï Saïss) ou distribuição (Marjane Acima). Sem falar dos chamados “domínios agrícolas” - um nome mais discreto do “domínios reais” usado pelo pai – que fazem do rei o primeiro latifundiário do país.

Pouco conhecida pela população, esta constante presença, e interferência, do rei na economia justifica-se pela ideia de que o Marrocos precisaria de "campeões nacionais" – o modelo da Coreia do sul. Mas, entre os empresários, a insatisfação está crescendo. "É verdade que devemos saudar a diversificação internacional do banco Attijari-Wafa, sem precedentes na África", diz Hakim Marrakchi, medindo as palavras com cautela. Oficialmente, ele considera que a intervenção do rei na economia não seja um problema. "Afinal, as empresas do rei são os principais contribuintes fiscais do país”, argumenta. Ele reconhece, porém, que “em determinadas áreas”, como o açúcar, um produto central na comida marroquina, e como tal fortemente subsidiado pelo Estado, a presença do rei nos negócios é “problemática”.

A empresa se beneficia de subvenções públicas, medida que é determinada pelo próprio rei. Marrakchi lamenta também o “uso indevido de informações privilegiadas por pessoas no entorno do rei, que assim conseguem construir fortunas em poucos meses”, especialmente no setor imobiliário. “Isso tira a motivação de qualquer empresário, todo mundo tem a sensação que é mais interessante ter amigos bem colocados, para saber, por exemplo, quando um terreno será declarado de utilidade industrial, multiplicando seu valor, que trabalhar em um projeto produtivo”, conclui.

Outras decisões do rei também provocaram escândalo. Em 20 de agosto de 2008, Mohamed VI anunciou que a isenção fiscal do setor agrícola, instituída por Hassan II em 1983, seria prorrogada até o final de 2014. Apresentada como “social”, esta medida não beneficia os pequenos agricultores que, na sua grande maioria, não pagam impostos. Na realidade, a isenção fiscal da agricultura beneficia principalmente as grandes fazendas, incluindo os famosos “domínios agrícolas”.

Além disso, a monarquia pode controlar praticamente todo o crédito, através de seus próprios bancos e das instituições financeiras públicas, dando-lhe o poder de, se necessário, sufocar concorrentes incômodos. Sem esquecer que o rei está acima da lei: o Poder Judiciário nada pode fazer contra ele. Nourredine Ayouch, um dos publicitários mais importantes do país, resume a opinião de muitos empresários. "O rei deveria vender todas as suas participações em empresas, pois ele está competindo com os outros, e tem um poder de decisão. As empresas sofrem com essa concorrência, seja diretamente ou psicologicamente”.

Ele lembra ainda outra anomalia: Mounir al Majidi, secretário particular do rei – em teoria, um cargo político – é também o gestor da fortuna de M6. Nas manifestações ocorridas em 20 de fevereiro, muitos cartazes pediam “fora al Majidi”.

Em seu histórico discurso dirigido à nação, no dia 9 de março, o rei teve o cuidado de não levantar a questão da corrupção, da impunidade dos poderosos, e muito menos o papel de suas empresas na economia marroquina. Seus assessores asseguram que ele deverá vender algumas de suas participações, especialmente no setor alimentar, mas a população espera outros sinais fortes.